fevereiro 12, 2016

Borobudur - trabalhando o apego



"A simplicidade e ingenuidade deles quebra nossas pernas, pensam mais longe que nós!"


Sabe aquela fase da vida que tem que se desapegar para seguir? Estava nesse momento quando pisei em Borobudur pela primeira vez. Para chegar já não é fácil e reza a lenda que só consegue quem  realmente tem que ir.

Borobudur é uma pequena vila na ilha de Java. Lá fica o monumento budista do mundo -- uma pirâmide de pedra vulcânica com paredes entalhadas com a história de Buddha Shakyamuni. Além de histórico é um daquele lugares especiais do mundo. Após conexão em Jakarta, você chega ao exótico aeroporto de Yojakarta, Yoja como é conhecida. Após esse trecho, tem que seguir de carro por estradas locais por quase uma hora. Borobudur, construída no século VIII, realmente é sagrada. Como sei? Você não sabe. Você sente. Sente harmonia entre tudo na sua vida. Sente que se conectou em uma tomada e sua alma está sendo carregada.

Ok, estava em retiro com seres mais que especiais. E como retiro é retiro, primeira regra é acordar cedo. Tipo 4 da matina. Sim! Quatro e meia já começávamos a nos encontrar para mais um dia de meditação na maravilhosa pirâmide de BB ("apelidinho" para o extenso nome). Entendi o horário no primeiro dia! Depois das 9 horas o calor é insuportável. Haja controle mental!

Para levar de um lado a outro usávamos os  tuk tuk de bike, versão local para os tradicionais motorizados na vizinha Tailândia. São tipo charretes puxadas por bicicletas. No começo você se sente mal. Parece arcaico. Lembra até a época da monarquia. Mas por outro lado é um trabalho para a população e nós podemos ajudar na economia local.

Durante a viagem vi que o posto de gasolina (que só tem na cidade) ganha uma versão caseira: você compra uma garrafa que fica exposta na rua. Eles abastecem os carros ou motos com funil. Prático e seguro! Medo! Mas depois encontrei "postos" assim espalhados pela Indonésia inteira. Mais medo! Você tem certeza que com aquele calor e a quantidade de fumantes, qualquer hora explode tudo.

E o calor! Amazônico com direito a chuva diária. O cabelo ficou "uó" com tanta umidade. O que as mulheres fazem para ficarem com cabelo liso nesses lugares? Acho que usam chapéu. Lógico que falo das poucas que não são muçulmanas e ainda podem mostrar o cabelo. O meu ficou terrível, virei adolescente novamente! Viva 8 série!

Foram dias meditando sobre desapego. Desapego ao cabelo, ao ficar limpa -- já que você sua sem parar -- e outras coisinhas internas difíceis de lidar. Mas quanto mais ali ficava mais envolvida estava com as pessoas e me tornava apegada ao lugar.

Apesar da religião da ilha ser islâmica, o santuário é patrimônio da UNESCO desde 1973. A mandala de pedra construída em forma de pirâmide é visitada por todos. Não se espante em encontrar grupo de crianças com uniforme escolar e véus (sim, eles fazem parte dos uniformes) pedindo para falar inglês e entregando papelzinho para avaliação o desempenho do idioma. Se aceitar, choverá criança correndo e jogando um papel na sua mão. E tudo termina com uma foto, todos querem a recordação com os ocidentais.


Monumento de Borobudur.

Paredes de pedra com esculturas.

Visão da parte mais alta da estupa.

Vista de uma das enormes esculturas.

E nos queremos com os orientais... Assim conheci a Derya. Uma massagista espetacular de 84 anos. Ouvi dizer que no passado ela tinha por volta de 90, e agora 84. Aqui é assim, não tem registro e as pessoas simples não sabem ao certo a idade. Acho que não importa. Apenas viver o presente e ser feliz já basta. Derya não teve estudos e aprendeu a profissão como todos em Java - com a família. Faz parte da cultura local esse tipo de ensino. Não tem técnica como na Tailândia, mas a intuição e energia da boa senhora faz da massagem uma cura. Quem deu o nome a ela foi o primeiro filho, outra tradição local. A mulher ganha um "apelido" quando o primeiro filho passa a falar e será conhecida por esse nome. o “nome” de solteira, antes de ser mãe não tem validade. Imaginei nossas crianças dando nomes das princesas da Disney nas mães ocidentais, acho que não daria muito certo.

Próximo personagem:
Jamal, nosso motorista comédia tinha um carro que apelidou de Mad Bufalo.  É uma motoca com banco de carro que leva passageiros do lado. Tem três rodas de cada lado que parecem que vão sair a cada curva, mas Jamal é um ícone da vila. Não podia nos ver que colocava 3,4,5,7 pessoas no Mad Bufalo.
_ Não cabe Jamal!
_ Cabe sim, dizia ele.... Uma vez coloquei dez.
E lá vinha mais uma histórias que morríamos de rir.

E não podia deixar de lembrar do Bambang nosso gerente arruma tudo. O nome parece de desenho animado. Confesso que repeti várias vezes lembrando dos " Os Flintstones".

Resolvemos fazer uma festa surpresa para uma amiga. E lá foi ele comprar e enfeitar o bolo. Ajudou na decoração e autorizou que usasse a cozinha para fazer brigadeiro. Fizemos aquela bagunça! Engraçado foi ver a carinha do Bambang provando brigadeiro.

_ Gostou?  A expressão era de não.
_  Doce né? Responde fazendo careta.

E o bolo chegou com nome dos aniversariantes. Quem é o quarto nome? Eram três amigos fazendo aniversário, não quatro! Perguntamos e a resposta foi sensacional:

_  Outra hospede do hotel, também faz aniversário hoje!

A simplicidade e ingenuidade deles quebra nossas pernas, pensam mais longe que nós!

Deixar borobudur e a ilha de Java foi difícil, dor no coração. Lugar incrível, com energia espetacular e momentos inesquecíveis.

Apego declarado!

Vista do vulcão ativo Merapi.

Jamel e seu Mad Bufalo.

Tuk tuk de bike. 

Senhora Derya.

Meu amigo Konchok.

Posto de gasolina.

Presos para não serem mortos.

Encanto e pura energia. 


fevereiro 01, 2016

O preço vem depois




"Como de costume, uma passadinha rápida pelo PS... com frio na barriga de quanto vai custar? "


A prática de falar o preço depois parece ser comum na Malásia. Outro dia fomos ao hospital. Como de costume, para quem nos conhece, uma chegadinha básica à enfermaria faz parte do nosso roteiro de casal.

O caso da vez foi o ligamento do dedão do marido. Antes mesmo de chegar para morar em KL, já tinha o nome do melhor hospital da cidade. Primeira impressão: "não ficarei aqui mesmo que estiver morrendo". Estacionamento com cara de sujo, entradas subterrâneas esquisitas, mas tudo mudaria.... Respira...

O contraste de moderno e arcaico também estava presente dentro do enorme prédio.

Antes da triagem, existe uma pré-triagem feita pela recepcionista que não entende o que você tem e diz:

_ Acho melhor ir na enfermaria! Diz a mulher tentando ajudar.
_ Mas meu caso é ortopédico, posso passar com um ortopedista no PS?
_ Não temos especialistas no pronto atendimento! Diz a recepcionista achando a pergunta engraçada.
_ Então, quero passar em um ortopedista.
_ Somente semana que vem, senhor. Mas precisa ligar e agendar por telefone.
_ Mas, meu caso é urgente.
_ Então, passa na enfermaria.

E assim caímos no pronto socorro com clínico geral.

Estacionamento com aspecto estranho.

Vista da frente do hospital para contrastar.

Os médicos não usam branco e nem jaleco. Atendem com roupa normal. Estranho para nós, acostumados com o uniforme que remete à saúde e limpeza. Mas as cores são sugestivas e culturais. Branco no oriente é cor de luto, talvez por isso não a usem.

Já a enfermeira usava um “modelito” lilás com véu combinando em um tom mais forte e “crocs” com meias. Mais uma vez estranhei ver o famoso sapato de cozinheiro, como parte do uniforme hospitalar.

O atendimento foi rápido, com Raio X e direito a atestado.

_ O senhor quer atestado para quantos dias? Pergunta outra atendente pós consulta.

Era só um dedo e tem atestado por vários dias? Vontade de pedir logo para uma semana.
Saímos com de um dia e mais uma consulta com especialista para dali uma semana.

Mesmo tendo plano de saúde, você paga consultas e exames, pois o plano reembolsa. É assim que funciona em todos os planos da Malásia. Tentamos descobrir  quanto sairia a consulta com ortopedista, já que no Brasil, estamos acostumados a deixar pequenas fortunas. Não sabiam dizer.

Faltando dez minutos para o início da consulta, tentamos mais uma vez conversar sobre o valor:

_ O doutor dirá no final da consulta, senhor! Pensamos: Lá vem bomba!

Um médico, sem cara de médico e sem roupas brancas, nos atendeu. Extremamente atencioso e preocupado em explicar cada termo técnico. Saímos impressionados.

Novamente uma surpresa. Preço justo e coerente ao que deveria custar. Aqui posso voltar a ser a hipocondríaca de sempre sem medo de falência. Mais uma vez tivemos que passar pelo frio na barriga de "quanto vai custar"? Não se preocupe, o preço sempre vem depois!

Contabilidade financeira: pratique o relaxamento, pois não terá controle das variáveis em nenhum lugar. Pelo menos aqui as variáveis não custam tão caro!

Próximo passo: medicina chinesa direto na forte. E aí vamos nós para mais uma aventura.

Entrada do Hospital.

Parece mais um hotel.