novembro 02, 2015

Como uma onda no mar



"O oriente te engole se você não se deixar levar..."


Certa vez uma amiga que veio da Índia disse: "se você não se abrir para o oriente, ele te engole". Essa frase não saiu da minha cabeça. É isso! É isso! O oriente está me engolindo e cuspindo igual uma planta carnívora faz, devo estar sendo indigesta como um caroço.

Então qual a fórmula mágica para se "deixar levar" e adaptar com alguma tranquilidade? Para trilhar o caminho das flores e não das pedras, criei uma estratégia: lute, una e se entregue.

Comecei lutando, entrei para uma academia especializada, já que estou na terra do Muay Thai. Porquê não aprender com os melhores? Assim fiz; meus "coachs" são duros na queda e não quis ficar por baixo e encarei "dobradinha" de myai thai + boxe clássico. Primeira aula quase morri! Achei que fosse apenas na primeira, mas ainda continuo morrendo. Pelo menos já comecei a canalizar minhas frustrações de mulher mimada.

Todos os treinadores são lutadores profissionais, cada um com sua história, vindo de uma região do mundo, com costumes completamente diferentes, mas dentro do tatame essas diferenças acabam. É estranho pensar que em um esporte dito "violento" você tem tanta disciplina, respeito e hierarquia.

E para quebrar os paradigmas, estou conhecendo pessoas verdadeiramente doces que lutam como vikings. Contraditório? Nem tanto, se você pensar que é uma forma de se limpar de sentimentos ruins como a raiva, ódio, mágoas e frustrações. Fica mais fácil de entender como muitos lutadores são extremamente sensíveis. Estou convivendo com muitos desses campeões e conhecendo a nova face do esporte, que é paixão nacional, como o nosso futebol. Enquanto alguns se limpam, outros fazem o amor da vida. Além da troca de chutes e socos, trocamos diferenças culturais. O que mais gosto é entrar cumprimentado em várias línguas. A concentração de estrangeiros possibilita que ao mesmo tempo consiga ouvir no mínimo 6 idiomas. Um prazer sonoro de diversidade de sons.

ONE Championship (ONE FC).


Próximo passo: união

Tentei comida, hum, não deu, tentei fazer amigos, hum, não deu, então optei pelo silêncio. Pode parecer estranho, mas treino em duas etapas: vou para um local bem movimentado e fico apenas observando, são tantas vozes, olhares, jeitos, roupas e cheiros diferentes que logo a aversão me agarra. E por quê? Porque o diferente nos incomoda, põe em cheque nossa identidade e como o coletivo é sempre maior que qualquer indivíduo, por segurança temos aversão e nos afastamos.

Assim quando me afasto procuro elaborar em algum local mágico. Aqui em KL encontrei um ponto de energia sagrada, um santuário de peregrinação dos hindus: Batu Caves -- um dos principais pontos turísticos da cidade. São inúmeras cavernas. Você não pode entrar em todas, mas tem três sequências que você pode passar, sendo que os templos estão concentrados na principal. A conexão da natureza com o sagrado está nesse local. Não é a grande estatua de 43metros que mais chamou minha atenção e sim a grandiosidade da abertura das cavernas e a quantidade de animais livres que moram por ali. São cachorros latindo para os macacos, que gritam e escondem a comida nas árvores que envolvem as cavernas. Antigamente mestres viviam ali meditando. Ainda hoje tem iogues que vivem lá e são responsáveis pelos ditos "pujas", cerimônias com rezas e oferendas. Na comunhão da missa católica recebe a hóstia, no puja hindu derrama água de rosas em suas mãos, devem bebê-la e passá-la na cabeça. Não sou hindu e tão pouco sei o que significam, mas sempre saio com a testa toda pintada. Posso dizer que funciona e que é uma benção, um banho de energia embebida pelo toque de tambor seguido de uma flautinha, daquelas que parece que a cobra sairá do cesto. Dessa forma, sem palavras e nem entendendo muito o que acontece, encontro a tal desejada união.

Caverna principal da Batu Caves.

Entrega

Nada como se entregar para uma deliciosa massagem. Assim, achei a última chave para não ser engolida como uma onda no mar. Após fazer o enorme sacrifício de conhecer alguns "spas" e casas de massagem, encontrei a mão preferida.

Seu nome é Gean, dona de uma mão forte, olhos doces e rosto sofrido. Recém-chegada como eu, quando nos conhecemos falamos sobre a adaptação fora do país natal. Assim, realizei que independente da separação global oriente-ocidente, nossos apegos à família e à pátria são os mesmos. Gean vivia com os pais em uma cidade próxima a capital Bangkok, Tailândia.  Aprendeu o oficio da massagem e foi chamada para trabalhar em uma respeitosa casa tailandesa com mais de 20 unidades espalhadas na Malásia. Além das mãos e uma técnica impressionante, tem um bom coração, fala mansa e sincera. Tive de me render.

Spa Thai Odyssey em Bangsar. 

Confesso que o Oriente continua me engolindo, devido mais a minha mente instável, mas continuo na luta, união e entrega. E às vezes, somente às vezes, corro para a bolha ocidental em busca de colo de mãe.

Casa de chá TWG no Pavilion. 

4 comentários:

  1. Show Carol... essa coisa de oriente X ocidente deve pegar mesmo. ..

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    1. O tempo todo!!! Tem dias que se joga e dias que filosofa... a forma de pensar é completamente diferente. O simples se torna complicado e essa é a melhor parte da brincadeira rs. =)

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  2. Oi Carol! Qto tempo! Belo blog esse aqui.
    Descendente de japoneses aqui no Brasil, sempre me senti 100% brazuca. Até morar no Japão. Conhecer o Camboja, Vietnam, Laos... Olhar o oriente com a sua perspectiva foi bacana... Eu, do contrário, me encontrei. Percebi q sou mto mais oriental do quem me imaginava e sinto isso toda vez q estou do outro lado do Globo. Qto a KL, um dia vou conhecer. Até lá, acenda um incenso por mim e eu agradeço daqui as belas histórias que vc tem mostrado pra gnt =*

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    1. Oi Ka... quanto tempo... Obrigada! Tem um casal de descendentes de japoneses que moram aqui e se adaptaram na boa, principalmente com a comida. Mas tenho uma amiga japonesa que também estranha a tamanha mistura, sempre tenta explicar o que entende. Pode imaginar um jantar comigo, uma japonesa, uma coreana, uma chinesa e uma malaia? Puro aprendizado... me divirto muito, mas entendo pouco da cultura. Como elas também são muito curiosas trocamos o tempo todo. Imagino como se sentiu em casa no Japão. Quero conhecer em breve, segundo essa amiga, é bem diferente. E quando vier à KL avise. Acenderei incenso no primeiro templo chinês que encontrar. Aqui tem muitos... um mais lindo que o outro. =)

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